Sem sabres-de-luz: Como Mandaloriano entendeu Star Wars
Por: Pedro Maia (Penacho)
Após a credibilidade da franquia principal da saga Star Wars passar por mal bocados em uma trilogia de filmes apressados (O Despertar da Força, Os Último Jedi e Ascensão Skywalker) com o intuito de justificar para investidores a compra da LucasFilm por 4 bilhões de dólares, é bom finalmente sentir que o universo de Star Wars se encontra novamente em mãos interessadas em contar boas histórias, e não apenas em mostrar naves, espadas que brilham e androides reconhecíveis. As crônicas de Mandaloriano ( 2019 — em andamento, Disney+), a nova série original de Dave Filloni (Responsável pela séries animadas Clone Wars, Rebels) e Jon Favreau (Homem de Ferro) contem todos esses elementos, mas não esquece de mostrar o fator mais importante no universo criado por George Lucas em 1977: o coração de seus personagens. O sentimento de Família é o principal alicerce que sustenta a história, porque não é necessariamente sobre aquela que recebemos, mas sim, aquele que encontramos e escolhemos.
Em Mandaloriano acompanhamos as aventuras do caçador de recompensas “Mando”, em uma sequência de crônicas que mostram seus mais diversos trabalhos pela galáxia. Esse nome inclusive, “Mando”, é apenas um apelido do protagonista, dado pelo nome de seu povo, os Mandalorianos, uma antiga raça de guerreiros dogmáticos que foi praticamente extinta ao longo dos anos onde os poucos remanescentes dessa cultura utilizam seus talentos para sobreviver nessa época de reestruturação demócratica de territórios e leis. Ainda que a série se passe seis anos após “O Retorno de Jedi” (1983) (ou seja, depois do final da trilogia original, onde os heróis derrotaram o Império) é possível assistir Mandaloriano sem ter acompanhado nenhum dos filmes anteriores da franquia Star Wars. O protagonista faz um papel interessante de espectador novato, muitas vezes precisando ser esclarecido sobre conceitos já batidos nesse universo, como quem são os Jedi, por exemplo.
Todo essa abertura faz com que Mandaloriano já tenha premissas diferentes de todos os filmes da saga até então, ao contar a história de personagens não-cartesianos que rodeiam o universo principal, sem se concentrar no velho maniqueísmo dos Jedi e Sith e sim se inspirando e sempre trazendo referência dos clássicos filmes de Samurai e Faroeste dos anos 50 e 60. Uma das coisas que mostra esse isso por exemplo é a duração dos episódios, variável, as vezes com 29 minutos, as vezes com 50 minutos, mas sempre completos dentro da estrutura episódica apresentada. Valem alguns destaques aqui como a trilha sonora, sempre tão importante para dar o tom da franquia, não está tentando emular a trilha clássica de John Williams pela primeira vez, e ao mesmo tempo ter a sonoridade que Star Wars sempre teve que ter. Outro fator muito interessante é a atuação de Pedro Pascal (Game of Thrones, Narcos)como Mando, que apesar de estar sempre utilizando sua máscara e ser um sujeito de poucas palavras, consegue transparecer uma identidade especialmente singular ao seu personagem apenas através de seu corpo e seu modo de falar.
Ao longo dos oito episódios da primeira temporada, que seguem uma estrutura narrativa quase antológica, mas que ainda se concentram em uma linha de história principal cronológica, vemos a série sobre Mando abordar diversos temas importantes e universais utilizando como esqueleto todo o universo criado por George Lucas e seu time de artistas em 1977; A importância da tradição dos nossos antepassados, ancestralidade, a vontade de escolher onde morar, a proteção dos nossos entes queridos, o reconhecimento da importância de pedir ajuda, a luta anti-fascista e outros. Mas talvez o mais importante de todos seja a definição de família. Assim como na franquia original protagonizada por Luke, Leia e Han Solo, heróis e companheiros podem surgir de qualquer lugar e não de heranças sanguíneas (diferente do que a trilogia de 2015 tentou nos dizer). Ainda um pouco antes cronologicamente, a história de Darth Vader/Anakin Skywalker começa em uma tragédia, uma criança retirada de perto de sua mãe e que perde sua figura paterna cedo demais, e repetitivamente falha na proteção dos que ama até decidir trazer “ordem e justiça” para a galáxia utilizando de força contra aqueles que discordem dele. A redenção de Vader só é possível após seu filho decidir amar ele de qualquer forma e perceber que a decisão mais sábia é abaixar suas armas para não repetir mais um ciclo de ódio e guerras, e não por que o sangue Skywalker o tornou super poderoso ou especial.
Em Mandaloriano, quando as crônicas de nosso personagem se alinham em uma trajetória maior para aqueles novos personagens no mesmo velho universo, o maior legado de Luke Skywalker continua, ainda que de outras formas. Ao aceitar novos companheiros ao longo de sua jornada e aprender a pedir ajuda, aquele caçador de recompensas solitário que se baseia nos cowboys clássicos dos filmes que inspiram a série se transforma pouco a pouco de uma maneira inteligente, que sempre traz para a história reflexões interessantes sobre nossas lutas diárias e tão individualistas. Se conseguirmos pedir ajuda para a família que escolhemos aceitar ao longo de nossas jornadas tão distintas, é possível acender uma chama de Nova Esperança em todos nós.
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