Pátria- Rivalidades nunca são apenas sobre ódio

Viu&Review
4 min readJun 10, 2021

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Por: Otávio Conceição

Semanas atrás estava conversando sobre futebol de rua (o famigerado baba) com meu pai e ele me disse a seguinte frase: “ independente de qual briga que possa acontecer em um jogo, o problema é se a briga sair da quadra”. E isso me fez refletir em algumas questões sobre jogos e humanidade. Qual a chave que gira em nosso consciente que faz com que as adversidades do jogo fiquem no jogo? E como isso pode abrir lacunas para ações desenfreadas de violência em uma arena?
Claro, essa frase é uma afirmação contraditória, e tudo fica um pouco opaco quando falamos sobre. Em muitos casos as calúnias e impropérios são usados da forma mais estratégica possível, em prol da desestabilização do adversário. Bem… independente do julgamento que seria aplicado a isso (e que deve ser aplicado!), é uma tática de jogo. Quando há mais coisas que um troféu à risca, talvez essa tática fique mais propensa a ser usada. É por isso que coloco Pátria como não um filme sobre rivalidade (além dele de fato ser um filme sobre uma rixa clássica) mas um filme sobre estratégias governamentais.

Pátria (2012) é dirigido por Fábio Meira e conta a história da relação turbulenta dos times de voleibol feminino brasileiro e cubano durante a década de 90. Especificamente no período de 1996 nos Jogos Olímpicos de Atlanta, ano em que o voleibol feminino brasileiro conseguiu sua primeira medalha olímpica. O curta documentário segue a narrativa talking heads, apresentando as atletas que participaram do jogo de 96, agora mais velhas, visualizando e comentando o seu trajeto durante o jogo da semifinal entre Brasil e Cuba, um embate que já estava premeditado antes da seleção de chaves. Os comentários são cheios de energia, como se elas estivessem revivendo tudo aquilo, as imagens de arquivo ganham ainda mais vida a partir da edição do filme (que ainda traz outros jogos para destacar essa rivalidade entre os times). Comentários ácidos e carregados de um certo rancor são lançados nas entrevistas individuais. Em algumas situações beiram até o cômico. Perspectivas totalmente diferentes dos acontecimentos são reveladas. O tom de condolência, quase paternalista das brasileiras para com as cubanas ainda é nítido, depois de tanto tempo.

O documentário vai mais a fundo e mostra a partir dos relatos como o panorama das atletas brasileiras e cubanas era divergente no quesito monetário e governamental de Cuba. Cuba na época era regida por Fidel Castro, que acompanhava de perto a campanha do voleibol feminino de seu país. O time de voleibol cubano era bem quisto pela população, elas eram tratadas como ídolos na região cubana. A pressão para ganhar os campeonatos, ainda mais aqueles que tinham prêmio em dinheiro, era muito importante, pois todo esse capital era repassado para o desenvolvimento do esporte cubano. Não era um ato que as atletas brasileiras entendiam. Mas era um ato que as cubanas tinham orgulho. E isso lhes dava mais empenho para ganhar os campeonatos. Já o Brasil, que na época era presidido por FHC, estava passando por uma onda massiva de patriotismo desenfreado, especialmente na área esportiva (e isso ainda reverbera atualmente, não à toa o filme trás a própria nação em seu título).

E diante de todo esse impulso de ganhar por seu país, junto a pressão de Fidel devido a perdas consecutivas do time, as atletas cubanas, no jogo de 96, optaram pela tática de xingar as brasileiras, para tentar desestabilizá-las. Conseguiram, as brasileiras ficaram visivelmente afetadas pelos dizeres e perderam o jogo por 3 sets a 2 para Cuba. O que ocasionou numa confusão sem precedentes na quadra e logo depois no vestiário. Embates verbais e físicos consecutivos.

Nunca teve um exato motivo, o mais específico que fosse, para que essa rivalidade entre os times fossem às vias de fato. A mídia brasileira engrandecia e ajudava a propagar a rixa entre as equipes. E isso impulsionou ainda mais o rancor entre as atletas durante os anos, tanto que revendo os materiais de 96 em 2012, elas ainda sentem feridas abertas e relações mal resolvidas. Atualmente é notório que devido também aos posicionamentos políticos totalmente questionáveis de atletas em específico, não teria como reverter esse acontecimento. Ele era premeditado

Porém, a partir das questões particulares dos dois países, Brasil e Cuba, vemos que nunca foi apenas sobre o ódio que um time sentia pelo outro. O jogo mais importante era o de oportunidades e o embate, a rivalidade lendária, sempre esteve “fora da quadra’’.

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