Primeiras Impressões: “Black is King” e o nosso direito de contar a nossa História.
Por Otávio Conceição
Beyoncé sempre esteve presente na minha vida. Eu nunca a acompanhei fervorosamente, não sou um fã assumido que reparava todos méritos de sua carreira de muitas facetas. Mas em algum ponto, que eu não me recordo quando, ficou quase impossível (devido também ao meu nicho de noticias, confesso) não saber qual eram os próximos passos de uma das personalidades mais influentes do mundo. Recusando apresentações, até porque o currículo dessa senhora é astronômico, Beyoncé é sinônimo de sucesso, negritude e talento. Ela apenas faz acontecer. Ela espreme um limão e todos param para ver.
Então não é de se surpreender que seu ultimo trabalho lançado, Black is King (2020) tenha sido recebido com tanto alvoroço e animação, tanto aqui (não foi lançado Brasil ainda, vamos fingir que eu tenho Disney+ e eu fingo que vocês também tem) quanto lá no EUA. Até o momento dessa review ele foi bem avaliado pela crítica e repercutiu tanto de forma positiva quanto negativa pelo publico. Só saiam noticias e críticas sobre, só se falava disso, sua presença nas manchetes brasileiras muitas vezes vinha enlaçada com as falas da historiadora Lilia Schwarcz…foram dias que ficou difícil não ouvir falar sobre o filme e de sua principal idealizadora.
BLACK IS KING -Sinopse: Black Is King é um filme musical e álbum visual de 2020, dirigido, escrito e com produção executiva da cantora americana Beyoncé. O filme serve como um um complemento visual do álbum de 2019 The Lion King: The Gift, um álbum de ligação com curadoria de Beyoncé para o remake de 2019 do filme O Rei Leão.
Vamos puxar a review para um lado que eu não vi ser visitado ainda, pensei muito em trazer conceitos sobre afrofuturismo e afro surrealismo para o debate, mas está mais do que claro para quem assistiu B.I.K. ,ele é muito mais do que a sua sinopse diz. Tentando falar o minimo possível do filme (ele vale a surpresa) Beyoncé usa da ancestralidade africana uma ferramenta para narrativa, fundido com a fabulação futurista que o afrofuturismo traz, e resulta num filme que tem tudo e ao mesmo tempo nada relacionado com O Rei Leão, por ser tão pessoal e rico e me faltando palavras,maravilhoso de se assistir. Num texto anterior sobre a minissérie Hollywood eu digo que não há nada de errado em fabular sobre coisas que aconteceram no passado, desde que você tenha responsabilidade para com o que você transporta para a tela. Não transportando a dor, as associações negativas vindas da branquitude, os esteriótipos e as mazelas mas sim as glórias, histórias, méritos e beleza do povo preto, Beyoncé, Jenn Nkiru, Blitz the Ambassador e Jake Nava invertem o que geralmente vemos na tela e colocam via streaming para todos assistirem. Eles fazem o resgate da memória e existência do povo africano, o que também pode ser levado de forma literal devido a presença justa de Solomon Linda na soundtrack do filme( vale a pena conferir a história de Solomon em “O Rei Leão e o Músico Esquecido”). E claro que para alguns (brancos), foi recebido com certo estranhamento e com um tom de “eu quero isso de volta onde eu coloquei, não deveria estar aqui em cima”. Mas nunca estivemos embaixo.
Uma das coisas que me animam muito atualmente como artista preto e estudante de cinema é quão fluido é o processo artístico, você pode visitar e revisitar a sua arte em diversos formatos, nuances e plataformas diferentes, sem perder sua essência. Quando você usa da fantasia como forma de redescobrir seu passado isso também é sua essência, você não pega isso do nada. Você traz os fatos, dá os nomes, as referencias, pesquisas, processos, vivências. É você. BIK com certeza não fez algo inédito, mas o fato dele ser distribuído em tão larga escala é algo que deve ser levado em consideração para méritos e validações. E o que eu quero dizer aqui, é que você, preto, tem tanto direito de contar essa história quanto a Beyoncé, da forma que você considere melhor dela ser transmitida(nos seus filmes, histórias, colagens, obras, dia-a-dia), o afrofuturismo está aqui e foi construído com o intuito de engrandecer a comunidade afrodiasporica. É um direito seu contar a nossa História da forma que nos foi negada e omitida por tanto tempo.
Isso são apenas primeiras impressões. Existe muito, mas muito ainda a ser falado sobre esse assunto. Isso foi apenas um tapa na superfície de um oceano imenso chamando Black Is King. Mas apenas começamos a conversar.