Ponto de interseção: fic X doc = ainda faz sentido esse X na equação?
Por:Lina Cirino
Era o Hotel Cambridge liberta-se de modelos da ficção e do documentário e tensiona a indissociação entre estética e política nas suas dimensões plásticas, discursivas e formais.
Desafiando novos territórios do documentário (ou da ficção), o filme aborda temáticas que circundam entrelugar e fronteiras (identitárias, sobretudo). A narrativa acontece dentro do edifício Cambridge, em São Paulo. Os personagens são refugiados: estrangeiros e brasileiros (negros e nordestinos) que ocuparam o edifício e estão na iminência de um despejo judicial.
Cuida-se de um filme híbrido, em diversos aspectos. Pessoas reais interpretam a si mesmas e alguns atores interpretam personagens fictícios. Transitam durante a narrativa na liminaridade entre a ficção (roteirizada) e o real (suas próprias vidas), como em Branco Sai e Preto Fica, de Adirley Queiróz. Os corpos em cena e os corpos das cenas, na trilha de Angelita Bogado, rompem com a fronteira entre filme e vida.
O cinema engajado está imerso numa estética política. E é articulado numa estética a partir da política, como articula Amaranta César. O filme é contextualizado em movimentos sociais e conflitos territoriais: Era o Hotel Cambridge foi dirigido por Eliane Caffé, em 2016, em co-criação com a Frente de Luta por Moradia, Escola da Cidade e Refugiados Imigrantes Sem Teto. Alianças políticas e estéticas foram estabelecidas entre Eliane e os sujeitos envolvidos no processo fílmico. O longa provoca reflexões sobre práticas (leia-se éticas) cinematográficas e visibiliza lutas sob o espectro de uma presença performativa.
Linguagens poéticas interdisciplinares agenciaram relações de alteridade e diferenças culturalis entre os personagens ali representados. Agenciamento que atravessa a especificidade do momento (a dejeção) e a especificidade da questão: brasileiros subalternizados são como refugiados — desterrados de seus direitos fundamentais.