ponto de escuta, ponto de interrogação

Viu&Review
2 min readMay 28, 2021

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por Lina Cirino

Sete anos em maio (2019), média-metragem dirigido por Affonso Uchoa, atravessa temáticas sobre representação, memória, estranhamento e performance. O fio condutor da narrativa é racismo estrutural: jovens negros violentados pelo Estado, de diversas maneiras. A linguagem cinematográfica do filme articula o visível e o invisível, através de denúncias de políticas de esquecimento e apagamento de histórias violentas (e violentadas) estrategicamente espetacularizadas pela mídia.

Affonso Uchoa aborda novas perspectivas de representação, escapando do modelo sociológico de Bernadet. Os primeiros planos de Sete anos em Maio reencenam representação de violência que logo em seguida é narrada, na fogueira, pelo protagonista, num plano-sequência que incute reflexões sobre o lugar de escuta. O que inicialmente parece ser um monólogo de Rafael direcionado ao espectador — corte seco para a imagem dos ouvidos atentos de Wanderson Neguinho.

Nos planos visíveis, ouvimos histórias violentas e trágicas sendo contadas, atiradas ao fogo. Histórias que queimam por dentro. Nos planos invisíveis, tecemos o gesto de construção e reflexão sobre o tema, sem que nos deixemos ser sugados por ele. Atento à forma sensibilizada de narrar o trauma, Affonso Uchoa faz bom uso de manobras brechtianas — desde o roteiro à montagem. Brecht pretendia a emancipação do público, através de escolhas não-ilusionistas. Economizou no cenário, nos figurantes, nos efeitos de cenografia para tentar o contrário: confrontar o espectador com a quebra de aparência de naturalidade, através da montagem. O que provoca, no público, uma participação direta no drama e, por consequência: auto-percepção e auto-crítica. Seguindo os passos de Brecht, por meio do estranhamento, Affonso Uchoa suscita do espectador intervenção no curso da trama, de modo a provocar a conscientização do contexto racial-colonial-político-social que circunstancia a História. Agora não mais a do drama, além (e aquém): aquela que impõe narrativas lineares questionáveis.

Saidiya Hartman pergunta: Como e por que escrevemos uma História de violência?

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