PERIPATÉTICO: UM PASSADO PRESENTE, E UM FUTURO…
Por: Charles Morais
Peripatético é um grito que ecoa, uma narrativa já cansada mas que se faz presente desde sempre. Simone está na busca de seu primeiro emprego, para conseguir pagar sua faculdade e ajudar sua mãe, Thiana está presa em seus estudos na esperança de conseguir uma vaga em medicina, e Michel quer aproveitar sua juventude. Os três são amigos e moradores de uma periferia em São Paulo. Depois de uma briga, por conta da acomodação de Michel, ele a caminho de casa é assassinado em meio a uma operação policial em Maio de 2006.
O filme de Jéssica Queiroz, lançado em 2017, é uma crítica panfletária, e não que isso seja ruim. A construção narrada e ficcional trazem duas cargas diferentes, algo que se aproxima muito do programa Telecurso 2000, um projeto educacional para jovens do ensino médio. A história ficcional interpretada por Maria Sol, Larissa Noel e Murilo de Farias conta essa fase entre a juventude e a vida adulta, a saída do ensino médio e a busca de oportunidades, mas em meio a ficção, uma pausa, uma mesa, uma cadeira e a personagem, de frente ao público, ela só quer uma vaga, mas seu nome é desconhecido, sua família não tem “poder”, e sua trajetória é pautada de uma luta no meio capitalista proletário, a economia não para, o dinheiro é necessário e as oportunidades são poucas.
Logo no início do filme, Simone no ponto, esperando o ônibus para voltar pra casa, após uma entrevista de emprego, se depara com um homem que pede dinheiro, alguns ajudam, ela não tem com o que ajudar (afinal está desempregada), mas uma das pessoas é quem inicia a discussão, o grito é alto e violento: “Vai trabalhar, vagabundo!”, e é aí que a resposta começa, e ela vem didática, mas no mesmo intuito de gritar, ecoar vozes, e destrinchar a grande diferença de oportunidades. As próprias entrevistas nos mostram a arrogância em contraponto a necessidade, mas a arrogância tem nome, “status” e endereço.
Em debates que participei e/ou assisti online de Jéssica sobre o filme percebi o quanto a ficção se torna realidade (ou vice versa), além de ser cinema brasileiro (algo que por si só já se faz difícil), a produção tem grana curta, os salários não são de alto escalão. E essa não é uma crítica negativa ao filme, pois sei o quanto é difícil fazer cinema no Brasil, principalmente quando a narrativa é sobre problemas sociais, o tal do cinema de militância. Até porque se fosse concluir a crítica ao filme, ele é muito potente e tecnicamente impecável, seus efeitos e trilha, a montagem e edição, a fotografia, a arte, tudo se completa e faz sentido, desde o funk como trilha do discurso até a “iluminação sombreada” no cenário final.
O cinema brasileiro independente, principalmente o universitário, tem criado muitas narrativas na esperança de poder contar, narrar e expor problemas sociais que permeiam a muito tempo e são silenciados. Filmes como Onde Nascem os Deuses, de Henrique DPK, ou Experimentando o Vermelho em Dilúvio, de Michelle Mattiuzzi, são gritos violentos de resposta na mesma intensidade em que são atingidos. Mas Peripatético além de expor a violência “cara a cara” com o espectador, ainda tem pausas, respiros para conversar com nós, explicar, mostrar e intensificar a mensagem do filme, como em Nada, de Gabriel Martins, que fala sobre Bia que é posta a decidir seu futuro pós ensino médio, e ela não quer ter que decidir isso por agora e na pressão, então o filme canta e faz rir para ter-se o respiro dentro da narrativa e justificar o que é narrado, criar um espaço rente a realidade, de muites jovens.
De frente ao público as personagens contam sua história, e no final (e que final) a ficção se desfaz, o grito agora ecoa, e vem de uma direção potente e uma atuação de vivência, as carteiras de trabalho são expostas e o sapato que tanto incomodava agora é arrancado. Esse gesto não quer dizer que Simone desistiu, mas está cansada, ela agora também quer expor o que sente, o que vive e do porque quando as pessoas gritam “Vai trabalhar, vagabundo!” que nem só porque existem várias vagas de emprego abertas, significa que todes terão oportunidades e vantagens frente a entrevista, e quanto mais o tempo passa, a vida também passa, as contas chegam e em certo ponto você pode se deparar com o encerramento do seus sonhos, a vida tem um fim e em sua maioria trágico, Michel morreu, as pessoas próximas choram, e ele nunca pode nem se quer comentar sobre seu sonho, além de ser negro e favelado, poderia se tornar piada ele querer ser professor.
Crítica ao filme “PERIPATÉTICO” de Jéssica Queiroz para a disciplina de CRÍTICA CINEMATOGRÁFICA do curso de CINEMA E AUDIOVISUAL da UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA — UFRB, Cachoeira — BA, 2021.