[MIMB2020] “Ontogénese”: Os ciclos (auto)destrutivos

Viu&Review
3 min readOct 4, 2020

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Por Luan Santos

Se em seu conteúdo constatamos que “Ontogénese” (2020) de JJ Nota é um filme-denúncia, em sua forma está um poderoso suspense psicológico recheado de uma linguagem experimental, carregado de simbolismos e preocupado com a força da arte enquanto potência de mudança. Conteúdo e forma não são dissociáveis, se atravessam e se potencializam para criar um filme instigante sobre impacto ambiental, manifestação autodestrutiva da humanidade e a ciclos intermináveis, sendo difícil desviar o olhar durante seus mais de 5 minutos de duração. “Ontogénese” significa “origem do ser”, mas também pode significar “Ciclo da Vida”.

O curta se inicia com uma ligação de telefone para protagonista Khensa (Sara M Bombi), uma fotojornalista que está investigando uma empresa acusada de despejar residuos tóxicos no mar. A voz no telefone alerta Khensa, e os espectadores, do perigo que essa empresa representa, criando logo de cara a tensão que o filme vai desenvolver por toda a narrativa. A protagonista determinada não ouve a ligação e anda pelas ruas da cidade de Maputo (Moçambique) portando sua câmera na mão como uma arma revolucionária capaz de revelar a verdade. A bicicleta que Khensa pedala representa tanto sua prática sustentável quanto as rodas simboliza os ciclos que o filme opera. Khensa vive em um “loop”, um ciclo interminável que vai resultar na sua própria morte, várias vezes - mas isso não a impede de continuar. O ciclo autodestrutivo da humanidade, que destrói a si mesmo e o planeta em que habita. O ciclo de denúncias e acusações que não resultam em nada - as empresas continuam a lucrar e a poluir. Khensa está presa às suas ações continuadas de investigação, é uma protagonista com uma determinação potente e um desejo interminável de usar sua câmera como instrumento de denúncia.
A direção assinada por JJ Nota - que assina diversas funções no curta - é impressionante, utilizando a linguagem audiovisual ao máximo para criar tensões que vão se acumulando até seu desfecho. A fotografia com câmera na mão, tremida, manifestada com a urgência de Khensa em investigar e a urgência que precisamos ter em impedir a poluição do planeta, assim como nossa própria destruição. O uso do preto e branco intensifica os sentimentos e o tom pessimista. A montagem é ágil, intensa, operando na potencialização da construção de suspense e tensão que rege a obra. É interessante perceber em como a montagem intercala pontos de vistas diferentes em certo momento do filme, intensificando a sensação de ciclos intermináveis. O som constrói a narrativa a partir de uma atmosfera de que algo vai acontecer a qualquer momento. Acompanhado de ruídos sonoros intensificados, a trilha sonora varia de uma percussão rítmica que confere urgência à um som de suspense mais suave e que repetidamente é cortado por um som mais grave que salienta o perigo iminente.

Realizado pelo grupo de cineastas “Afrocinemakers” de Moçambique, “Ontogénese” é uma denúncia urgente e cinematograficamente impactante sobre o nosso dever de preservar o planeta em que vivemos, senão iremos matar a nós mesmos num processo autodestrutivo. O audiovisual, assim como a fotografia para Khensa, são ferramentas poderosas de conscientizar e lançar luz sobre as problemáticas ambientais de forma arrebatadora. É preciso romper os ciclos, é tempo de nos curar da destruição que causamos ao meio ambiente e a nós mesmos. Antes que seja tarde demais.

Link para assistir ao filme na programação da MIMB 2020 que acontece de 30/09 até 09/10:
https://www.videocamp.com/pt/campaigns/mostra-mimb3-ontogeneses/player?special_id=113298

Acompanhe a MIMB no instagram: https://www.instagram.com/oficialmimb/

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