I’ll Be Gone In The Dark: Caçada por justiça ou mórbida obsessão?

Viu&Review
5 min readSep 3, 2020

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Por Barbara Carmo

O interesse do público geral pelo gênero Suspense e histórias baseadas em Crimes Reais não é algo novo, pelo contrário, como o ex-agente do FBI John Douglas descreve em suas memórias — adaptadas, com certas liberdades, para a série da Netflix Mindhunter (Caçador de Mentes) — as ditas “pessoas de bem” sempre se sentiram atraídas por aquilo que as diferenciava dos criminosos. Para elas, homens como Charles Manson, Ed Kemper e John Wayne Gacy eram bichos-papões da vida real e não seres humanos, e tal qual um bicho-papão, eram criaturas mitológicas a sua forma: Misteriosas e fascinantes. Quando a criminologia e o uso de um perfil psicológico passou a ser usado estudando coisas como modus operandi para se traçar um perfil de vítimas, local de possíveis ataques ou diminuir a lista de suspeitos, o tempo já havia avançado para o fim de 1970, década essa em que talvez os mais conhecidos assassinos em série assolaram os Estados Unidos da América. De BTK à Dahmer, de Carl Charlie Brandt à Edward Edwards e outros mais a quem nunca demos um nome e um rosto, homens e mulheres que possivelmente morreram ou irão morrer livres e sem consequências pelos seus atos terríveis. Este parecia ser o destino de Joseph James DeAngelo, um ex-policial de 72 anos, pai, avô, tio e vizinho que nunca representou mal algum a sua comunidade, até ser preso no dia 24 de Abril de 2018 por 120 assaltos, 50 estupros e 13 assassinatos.

Muito pode ser encontrado sobre James DeAngelo na internet, motivo pelo qual não irei dedicar esta crítica a falar dele ou em seus crimes mais do que necessário. Para aqueles com a mórbida fascinação por bichos-papões da vida real, basta pesquisar sobre Golden State Killer (O Assassino do Estado Dourado). Nossa história e a história de I’ll Be Gone In The Dark (Terei Partido na Escuridão) é sobre uma mulher e sua busca por respostas e justiça para vítimas silenciadas por um criminoso covarde, um sistema policial insensível às dores e traumas de sobreviventes de abuso sexual e a invisibilização midiática de um caso quarenta anos enterrado por jurisdições e detetives frustrados. Como há uma grande chance de que boa parte do público brasileiro não conheça Michelle McNamara e seu livro (homônimo à série) permitam-me uma breve introdução: Em meados de 2006, quando a internet fervilhava em blogs, Michelle criou o site True Crime Diary (Diário do Crime Real), isso uma década antes da popularidade do gênero tornar-se um subgênero de vídeos no YouTube — que havia acabado de ser lançado como plataforma. Ao compartilhar suas histórias sobre assassinatos que mais lhe interessavam, histórias que a faziam pesquisar a respeito e inclusive sair de casa e agir como detetive muitas vezes, Michelle acabou por criar uma comunidade de pessoas que antes não tinham onde e como compartilhar esse seu gosto peculiar por crimes terríveis e reais. Ela criou, de certa forma, a comunidade de True Crime como ela existe hoje, com podcasts, livros e até mesmo convenções inteiras apenas para conversar sobre o assunto. O fato de uma pessoa como Michelle McNamara se interessar em um caso como o do Golden State Killer pode parecer lógico. De um lado, uma mulher interessada em crimes reais que vez ou outra assume o papel de detetive nas histórias que conta e investiga casos por si só. Do outro, um caso engavetado com mais de 50 vítimas, grande parte delas ainda viva e clamando por justiça enquanto caixas e mais caixas sobre seus casos acumulavam poeira, com DNA, retratos falados e outras pistas fundamentais que certamente levariam a uma solução se alguém em algum lugar se dedicasse para isso. Havia um problema, no entanto: Ninguém sabia sobre o Golden State Killer, nem mesmo Michelle.

I’ll Be Gone In The Dark é uma minissérie documental em seis episódios produzida e exibida pela HBO, acompanhando Michelle McNamara desde sua descoberta do na época chamado East Area Rapist (Estuprador da Zona Leste) até sua preocupante e infelizmente trágica obsessão para a resolução do caso do Golden State Killer, ouvindo extratos de seu livro (narrados por Amy Ryan) e conhecendo-a através de entrevistas com membros de sua família, seus colegas de trabalho e amigos. Ao mesmo tempo, somos transportados para a investigação que fascinou Michelle, conhecendo as sobreviventes que bravamente contam suas histórias e como conseguiram viver após algo tão traumático abalar suas vidas. A narrativa não é linear: Ao mesmo tempo em que estamos com Michelle descobrindo algo novo sobre o caso, estamos na década de 1970 com policiais confusos tentando compreender que tipo de monstro é capaz de estuprar uma mãe com a filha deitada na cama bem ao seu lado. A narradora nos conta sobre a infância de Michelle e somos apresentados a filha da mesma, Alice. O fato da narração acontecer em primeira pessoa faz com que essas associações pareçam naturais, orgânicas, um truque mental em vez de uma ferramenta narrativa. Em momento algum esta sensação de flutuação na linha do tempo é confusa ou forçada, ela é fluida como a montagem que usa imagens de arquivo originais de notícias sobre o caso, videos caseiros de Michelle com sua família e as entrevistas e consegue unir tudo sem que a série seja uma bagunça retalhada. Com a direção de Liz Garbus (What Happened, Miss Simone?) e o selo de qualidade da HBO Documentários era difícil esperar qualquer outra coisa.

Michelle McNamara faleceu em 21 de Abril de 2016 aos 46 anos. A causa da morte foi atribuída a overdose acidental de remédios. Ela nunca viu o rosto ou descobriu o nome do assassino que caçou incansavelmente, mas graças a ela, todos nós pudemos fazer isso.

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