Hollywood

Viu&Review
5 min readJul 7, 2020

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Por Otávio Conceição

Texto com spoilers da série Hollywood

Desde sua chegada a Netflix, Ryan Murphy (Glee e American Horror Story) emplacou diversos produtos para o site de streaming. A bola da vez foi Hollywood, uma minissérie de drama da década de 40, que mostra os pesares de tentar fama na cidade onde o cinema acontece.

A minissérie foi lançada, moderadamente bem recebida pelo público, mal recebida pela crítica. Pelas vistas do publico, uma leva que fazia parte das minorias presentes na série (ou não), gostaram de como foi abordado as temáticas. Outra parte do publico e da critica foram contra a maré e criticaram a série por ser inverossímia com a realidade. Até eu me deparar com um artigo da revista Slate que tinha o título: “Hollywood é um insulto aos pioneiros da vida real que substitui, a minissérie auto-parabenizatória cria uma fantasia progressista, apagando muitos daqueles que realmente fizeram o trabalho. ” Ao ver as temáticas que a série trazia, o título do artigo soou um pouco conservadorista e arrogante, mas seu conteúdo me chamou atenção.

Agora a questão, Hollywood aborda, como eu disse, como eram feitos os filmes da década de 40, mas de uma maneira fabulosa. “Os filmes não apenas nos mostram como o mundo é. Eles nos mostram como o mundo pode ser”. Essa frase é dita por um dos protagonistas da série, em uma época onde o racismo e a homofobia eram extremante desenfreados, e a série tem noção disso. Ele põe em protagonismo uma atriz negra, um roteirista gay e negro, um ator gay(um ator que realmente existiu, o Rock Hudson), uma atriz asiática (que também existiu, a Anna May Wong) e diretor semi-asiatico (segundo a série), todos juntos na realização de um filme, chamando Peg, sobre a história de Peg Entwistle, a atriz de 24 anos da vida real que pulou do letreiro de Hollywood por não alcançar sucesso e se tornou um símbolo de Hollywood por isso. Com essa história, a metalinguagem pra série esta pronta. Eles colocam a série ambientada numa Hollywood extremante preconceituosa, com minorias como protagonistas, e tentam rescrever a história a partir de um filme sobre uma moça que se jogou de uma placa por não ser famosa.

Acompanhado de diversas ameaças de grupos extremistas que querem a cabeça de todos da equipe que “ousaram” fazer um filme roteirizado por um jovem negro e gay e com uma atriz protagonista negra, depois de muito penar eles conseguem finalizar o filme, fazendo que ele estreie nacionalmente, até no sul racista do EUA. O filme é um sucesso, aclamado pelo publico segregado e pela crítica, até chegar no Oscar, e nesse ponto na narrativa da série tudo parece risível e difícil de engolir que tudo isso aconteceu na década de 40, e realmente é, mas também é muito lindo de acompanhar: a atriz principal é a primeira mulher negra a ganhar um Oscar na categoria principal (a Halle Berry só foi conseguir em 2002, 55 anos mais tarde), o roteirista chega na cerimonia de mãos dadas com o namorado, o fictício Rock Hudson, e os dois se beijam no tapete vermelho. Não só isso como ele ganha o prêmio de melhor roteiro e faz um discurso apaixonado para o namorado. Anna May Wong, que na vida real recebia apenas papéis de asiáticas estereotipadas, recebeu também o prêmio de atriz coadjuvante, entre outros momentos que agradam mas não enganam.

Não tem nada de errado em fabular sobre o que poderia ter acontecido ou tentar ressignificar algo a partir do que já foi feito, séries e filmes fazem isso o tempo todo. Tarantino fez isso com outra história sobre Hollywood e foi aclamado. Porém a série vai por um caminho que mesmo fabuloso, soa incrédulo ao se desenrolar dos episódios. Eles conseguem passar por diversos obstáculos, que na vida real durariam e duram anos a fio para serem ultrapassados, com apenas a “coragem”. E é essa “coragem” a resposta que a série usa a todo instante para ir de contra o racismo e homofobia da época, a ku klux kan, os intolerantes sulistas que querem boicotar o filme e tudo de ruim que um ambiente hostil como aquele pode oferecer. Citando a revista Slate “a maneira alegre e sem atritos que os protagonistas da série percorrem décadas, se não séculos, de racismo entrincheirado sugere inadvertidamente que seus antecessores poderiam ter tido o mesmo sucesso se tivessem criado coragem.”

Essa é a justificativa usada para dizer que faltou coragem de Hattie McDaniel, primeira atriz negra a ganhar um Oscar, ao ser barrada por seguranças de entrar na cerimonia da premiação. Hattie, que é um dos seres ficcionais da vida real na série, em uma cena diz que lhe faltou coragem para enfrentar os seguranças. Em contra ponto, quando tentam barrar a protagonista da série na cena do Oscar, ela apenas se impõe e a deixam passar.

Hollywood possui uma fantasia pouco crível, e atropela vários contextos históricos que não mereciam ser apagados, é como se os personagens pensassem “ah vamos apenas ignorar esse senhor da KKK que tacou uma pedra na nossa janela ou incendiou nosso quintal, essas coisas acontecem”. Mas sua falta de noção com a realidade da época também abriu uma lacuna para cineastas brancos saudosistas com a antiga Hollywood criticarem a série apenas por mudar o que eles sentem falta, uma Hollywood com menos oportunidades e concorrência. Mesmo vendo os erros da série, ela me cativou pelo fator de representatividade que eu senti e que outras pessoas também sentiram, então valeu a maratona.

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