Fragmentos do Horror — Um viva a bizarrice!
Por: Andre Malta
Conheci o trabalho de Junji Ito através da adaptação cinematográfica de seu mangá Uzumaki. Prometi a mim mesmo que leria a obra original, mas até agora sigo adiando. E enquanto não a encaro, resolvi me aventurar por este trabalho interessantíssimo composto por 8 histórias de horror no estilo característico de Ito.
Pra quem curte esse tipo de história e já está acostumado com a arte do mangaká — bizarra e estranha — essa coleção é um belo “aperitivo”. Pra quem nunca teve contato, serve como porta de entrada para mente excêntrica do autor. Confesso que meu fascínio pelo trabalho de Ito é muito pautado na expectativa criada em cima de “Uzumaki”, mas após desfrutar deste trabalho me animei a procurar outras obras do mesmo.
Ito trabalha muito bem o horror em suas histórias, o visual está ali pra incomodar, às vezes chocar, mas quase sempre pra tirar você da zona de conforto. Sua capacidade de causar sensações expressivas no leitor através das ilustrações e da forma como domina a linguagem da arte sequencial tem muito a dizer sobre quão forte é o seu talento.
A obra “conversa” conosco enviesando a imersão para a zona do desconforto numa ode à estranheza. A força disso é um onirismo psicodélico que me pôs pra dançar num ir e vir entre o persuadir e o incomodar. Suas ilustrações, cheias de referência ao horror lovecraftiano, me fizeram “pesadelar” acordado, destacando essa conexão entre obra e leitor no controle das sensações que evocam de forma recorrente um desconforto comparável ao causado por um “corpo estranho” em meio ao “todo”.
Tudo é bizarro. Tudo é estranho.
O autor fornece somente o suficiente de familiaridade para garantir empatia, mas é tudo uma armadilha pra lhe prender no universo estranho de suas histórias, independente de qual elemento carrega essa estranheza. O uso inteligente da linguagem dos quadrinhos é usado pra trabalhar o horror e surpreender o leitor. Quase sempre a história é narrada deixando a imprevisibilidade para a última página, que quando finalmente virada, nocauteia o leitor com uma ilustração chocante.
Minha experiência com a coleção de histórias foi bastante positiva, mas preciso ler seus trabalhos mais icônicos para dimensionar quão “genial” o autor foi nestas. De qualquer forma, se a primeira impressão é a que fica, pretendo ler, o quanto antes, outras de suas obras. Sobre as histórias presentes nesta coleção:
“Futon” é a primeira história e a mais curta. Em poucas páginas o autor alimenta a nossa imaginação inicialmente através da sugestão, mas no fim entrega seu característico estilo de horror. Ainda assim, de toda a coleção foi a história que surtiu menor impacto em mim.
“Monstro de Madeira” é pura bizarrice. Do tipo de coisa que adentra o non-sense, mas é bom justamente por isso. Dá um certo nervoso, mas não me causou tanto medo.
“Tomio — Gola Rulê Vermelha” das oito histórias do livro é a minha preferida. Me deu uma agonia, daquele tipo que a gente se imagina no lugar do personagem e aquilo incomoda de uma forma que não tem como explicar. Mexeu comigo e tornou a experiência aflitiva. Teve um momento que pus a mão no pescoço como se sentisse o desespero do personagem. Arte primorosa.
“Suave Adeus” talvez seja a história mais leve da coleção, o que não a torna menos bizarra, sobretudo pela estranheza, que nesse caso, se insere mais numa questão “cultural” ou do campo das tradições de determinada família. Gostei muito.
Em “Dissecação-Chan” senti um equilíbrio maior entre o horror (repulsa e/ou choque) e o terror (ansiedade e/ou medo). O desconforto vem da OBSESSÃO bizarra de uma personagem. Mas aqui essa obsessão apesar de bizarra não mergulha no horror fantástico ou desconhecido (como as espirais em “Uzumaki”), mas no corporal e sádico.
Em “Pássaro Negro” a leitura me rendeu a experiência curiosa de “pesadelar” acordado, tamanha a imersão que me proporcionou a narrativa e as peculiares ilustrações de Ito que pareceram ganhar textura e concretude aos olhos do leitor que vos escreve. Foi uma das experiências mais legais nesse processo de leitura.
“Magami Nanakuse” é um das histórias mais bizarras (todas são bizarras, difícil usar outro termo). Dependendo das circunstâncias a qual esteja bate até um medo durante ou após a leitura. O destaque aqui vai pra “fisicalidade” dos personagens. A situação em que se encontram cria um forte desconforto.
Por fim, em “A Mulher que Sussura”, a estranheza vai mais pela sugestão do mistério no uso do diálogo e no desenrolar da situação que subverte completamente o que deveria ser uma história comum. Que garotinha bizarra.
O que posso dizer sobre “Fragmentos do Horror” é que ele é um prato cheio pra quem quer sentir-se desconfortável. Junji Ito tem um estilo inconfundível e merece ter seu trabalho conferido por mais pessoas. Ainda assim, não dá pra ter certeza se o efeito exercido sobre mim será o mesmo exercido sobre você. Independente da subjetividade, vale a pena arriscar. Um viva à bizarrice!