Extrordinariamente original
Por: Luiza Mucida
O gênero de séries musicais não é nenhuma novidade no mercado televisivo, séries como Glee, Smash e Crazy Ex-Girlfriend têm construído seus caminhos e seus sucessos há mais de 10 anos. Então, como produzir uma série musical em pleno 2020 sem cair em lugares comuns e evitar comparações involuntárias? Zoey’s Extrordinary Playlist encontrou uma maneira bem original e totalmente inusitada de trazer a música para sua narrativa.
A série, criada por Austin Winberg estreou em 07 de janeiro de 2020 e acompanha Zoey (Jane Levy), uma programadora que sabe lidar melhor com os números do que com os sentimentos e que nutre uma certa aversão ou indiferença com a música em geral. Zoey trabalha em uma empresa de tecnologia em um ambiente majoritariamente masculino, com exceção de sua chefe, e começa a temporada com uma expectativa de promoção. Além disso, no âmbito familiar, Zoey e sua família convivem com um diagnóstico de Paralisia Supranuclear Progressiva dado a seu pai, uma doença neurodegenerativa que faz com que Mitch (Peter Gallager) vá perdendo os movimentos do corpo de forma progressiva. A história da doença do pai de Zoey foi inclusive baseada na experiência do próprio autor da série com seu pai.
Preocupada com uma enxaqueca que não passa e com medo de ter alguma relação com a doença de seu pai, Zoey resolve fazer uma tomografia. Durante o exame, é oferecido a ela a possibilidade de escutar uma música para aliviar a sensação de claustrofobia que ela está sentindo, no momento em que ela já está na cabine do exame e o médico está procurando uma música, ocorre um terremoto. A partir desse momento, Zoey passa a escutar os pensamentos mais íntimos das pessoas através de músicas, grandes números musicais com direito a coreografia e tudo mais. A série traz uma justificativa para um ponto que muitas pessoas usam pra dizer que não gostam de musicais, o fato das pessoas começarem a cantar e dançar aleatoriamente e em perfeita sincronia e harmonia.
Com a ajuda do seu vizinho Mo (Alex Newell) — com quem começa a série tendo um relacionamento praticamente inexistente e ao longo da mesma viram melhores amigos justamente por conta do dom adquirido pela protagonista — Zoey tenta entender como funciona o seu dom e o que ela deve fazer depois de escutar o que ela chama de canções do coração. Ela passa a entender melhor as pessoas em seu convívio e desenvolver uma empatia aguçada, buscando ajudar a resolver seus problemas que vão do luto ao ciúmes, passando por separações, armações e declarações de amor e com uma pitada de triângulos amorosos. Além disso, é justamente com esse dom novo que Zoey encontra uma maneira de se comunicar com seu pai que já não consegue mais falar, os números de Mitch com Zoey são uns dos mais emocionantes da série com certeza.
O texto da série é bem inteligente e leve, conseguindo abordar diversos assuntos como machismo corporativo, identidade de gênero, solidão, perda, entre tantos outros, de uma forma muito natural e acessível. Muito disso se deve além do texto à produção musical, a seleção das músicas se encaixa perfeitamente com o que as personagens estão passando e sentindo. A variedade nessa seleção musical também merece ser destacada, os números vão de últimos sucessos do mundo pop com músicas de Jonas Brothers e Shawn Mendes, por exemplo, até clássicos de outras décadas como Beatles e Whitney Houston, passando é claro por números da Broadway que agradam qualquer fã de musical. Pros fãs de musical inclusive, além do óbvio da série ser musical, é gratificante ver nomes já conhecidos no meio em papéis de destaque como o já citado Alex Newell no papel de Mo ou de Skylar Astin no papel do outro melhor amigo de Zoey, Max. Além das participações mais do que especiais de Renée Elise Goldsberry no papel de Ava Price, a chefe do sexto andar, e de Bernadette Peters no palpel de Deb que ajuda a mãe de Zoey, Maggie (Mary Steenburger) a lidar com a perda iminente de seu marido. É interessante inclusive ver essa mistura de vozes já experientes com vozes sem tanta técnica ou alcance, torna tudo mais real, apesar do absurdo.
Ainda falando sobre os números musicais, é preciso destacar o uso muito bem aplicado de movimentos de dança contemporânea, principalmente nas músicas mais sentimentais, ajudando a expressar mais ainda o que as personagens estão sentindo, tornando tudo muito sensível e poético. Falando sobre sensibilidade, é preciso destacar também a escolha certeira do número de Fight Song da Rachel Platten feito todo em libras para representar os sentimentos de Abigail (Sandra Mae) que é uma personagem deficiente auditiva. Um ponto que a série, justamente por ser musical, poderia trabalhar melhor é na disponibilização das versões completas das músicas apresentadas nas mídias digitais, até então eles só disponibilizam as partes que são apresentadas nos episódios. Fãs de musicais gostam de escutar as músicas mesmo longe das telas ou palcos e se tem uma coisa que Glee ensinou muito bem é que um cover pode ser bem melhor ou fazer mais sucesso que a versão original.
Zoey’s Extrordinary Playlist é uma série que te faz rir, ter momentos de vergonha alheia e chorar copiosamente, muitas vezes tudo isso em um só episódio. É uma série que apesar de tratar de assuntos bem profundos, é leve e fácil de assistir e te faz ansiar por mais. Ela consegue agradar os fâs mais assíduos de musical, mas também quem não é tão fã assim. A série é realmente extraordinária, em sua maioria, e promete continuar com seu sucesso com uma segunda temporada que estreou recentemente nos Estados Unidos, no dia 05 de janeiro de 2021. A primeira temporada completa com 12 episódios pode ser vista aqui no Brasil pelo Globoplay.