Eu quero dançar com alguém que me ame
Por: Marcia Carolina

“Balançando sob a luz do sol, a melancolia há de esmorecer. Balançando sob a luz do sol, as lagrimas hão de secar. Quando as mulheres negras foram trazidas à força para o litoral americano, sendo escravizadas e mais maltratada do que gado, elas trincaram os dentes e, decididas a sobreviver em seu destino, deram a luz ao blues, a melancolia.” Opal Palmer ADISA
Eu quero dançar com alguém que me ame, alguém que me ame com um amor forte o suficiente para que ele dure. Era o que queria Whitney com seu lindo sorriso. Um sorriso que como descreveu Opal Palmer Adisa, vem da loucura conduzida por ser especializada em camuflar as mais profundas angústias. Whitney sorri. Whitney tem que sorrir. Mesmo que à noite a sua solidão seja a única que a chame, Whitney tem que sorrir. Ela precisa ir pra rua. Ela precisa beber, fumar, sambar, rebolar, beber, sambar, sorrir, beber. Ela precisa adormecer mesmo que acordada até espantar a tristeza. Whitney precisa cantar o seu blues dançante, porque de triste já basta a própria tristeza. Whitney precisa sorrir. O sorriso atrai, ela uma vez ouviu. Ninguém se aproxima de uma pessoa cabisbaixa. Então Whitney aprendeu a sorrir. “Mesmo que…” Ela aprendeu a sorrir. O sorriso é melhor maquiagem da mulher. “Mas é que eu…” Uma mulher de cara fechada é sinal de que é mal amada. “Mas eu nunca tive um…” Uma mulher deve estar sempre sorrindo. Quem vai querer se aproximar de alguém triste? “Como eu posso sorrir se eu ainda…” Whitney, chega! Você deve sorrir! Olha que sorriso lindo que você tem! Whitney sorri, canta, dança. Às vezes dança sozinha, às vezes acompanhada de alguém, mas não é alguém que a ame.

A alegria compulsória de Whitney está do outro lado da fronteira da sanidade onde a gente se recusa a sentir. Onde sentir não é mais necessário para atravessar a realidade em que se vive. Whitney, eu queria poder te dar um abraço ou te fazer um cafezinho como sugeriu Opal. Whitney e Opal, às vezes eu mesma também preciso do sol, balançar minha cadeira no sol, antes que a noite venha. Whitney cantou a alegria compulsória de mulheres negras que só queriam ter a experiência de dançar com alguém que as ame. Uma alegria compulsória que se apresenta para muitas dessas nas suas primeiras festinhas ainda na adolescência. Sentadas elas esperam que alguém as chame para dançar. Sentadas elas esperam sorrindo. Sentadas esperam. À noite.Toda.
Em outras canções podemos ouvir o grito ecoado dessas mulheres implorar “não me faça fechar mais uma porta”. Ela ainda quer acreditar. Ela desafia implorando o parceiro a ficar. Ela canta o coro coletivo de milhares de mulheres rejeitadas e solitárias que dizem “por favor, não me faça me fechar mais uma vez, eu não quero me machucar!”. Whitney sabe que viver dentro de uma armadura é viver limitada. E que essa limitação machuca até matar. Mas ela quer viver! Ela quer estar aberta e de guarda baixa para uma nova relação. Mas em sua experiência, se mostrar vulnerável implicou em dor. Nessa mesma canção ela pergunta se deve imaginá-lo ali. “Mas como assim? Imaginar?” — você se pergunta. Sim, ela precisa imaginar. Construir em sua mente uma relação de amor, carinho e respeito como ela sabe que merece. Isso seria saudável? Ilusão ou loucura, nesse ponto tanto faz! O que é mais doloroso: viver em uma doce loucura ou em uma enlouquecedora realidade?

Whitney cantou por nós mulheres negras o hino ferido de quem precisa todo dia representar um papel de quem está sempre no controle. Whitney canta a mulher forte, independente e solitária que volta para casa e não tem alguém a te esperar. Ela quer correr para alguém. Mas para quem? Ela quer se despir da máscara de uma mulher forte e mostrar a menina que também tem medo. “Você não consegue ver o sofrimento em mim?”, ela pergunta. Mas eu acho que ninguém vê, Whitney. Nosso sofrimento é uma estatística. Nosso sofrimento é um número. Nosso sofrimento é o concreto no alicerce dessa cidade. Nosso sofrimento, Whitney, eles acham engraçado. Nosso sofrimento é conveniente, é uma prisão em que eles podem nos alimentar com migalhas.
Whitney canta a mulher negra descrita por Opal que se mata quando mês após mês chora sozinha sem ter com quem desabafar. Whitney estava estressada. Ela quer tirar a máscara porque essa máscara estrangula. Whitney cantou que aprendeu a depender só dela mesma e que assim encontrou o maior amor de todos. Whitney, eu sinto muito! Opal estava certa. Você estava e eu estou. Whitney estava estressada. “Por quanto tempo você acha que pode prender a respiração sem ser asfixiada?” nos perguntou Opal. Eu não sei. Mas estamos carregando essas máscaras e armaduras por muito tempo. Sim, Opal, nós estamos estressadas! Se como você disse, nós nos matamos quando paramos de sorrir. Também te digo que estamos asfixiadas pela máscara do nosso próprio sorriso.
“O relógio desperta atrasado/ E o Sol começa a se pôr/ Ainda há tempo suficiente para descobrir/ Como espantar as minhas tristezas/ Eu estive bem até agora/ É a luz do dia que me mostra como/ E quando a noite vem, a solidão me chama” Trecho da canção “I wanna dance with somebody” interpretada por Whitney Houston
