Eu, Empresa — Empreendedorismo em tempos de superlotação de conteúdo
Por: Otávio Conceição
Joder acaba de ser dispensado do seu emprego. Sua saúde mental não vai bem. Ele divide uma casa com alguns amigos, trabalha em freelances nada agradáveis e possui uma rotina cansativa e desmotivadora. Em meio a tudo isso ele cria um alter ego/personagem para tentar sucesso no YouTube, que é incorporado pelos fracassos do seu cotidiano. Essa é basicamente a premissa de Eu, Empresa, filme de Marcus Curvelo e Leon Sampaio. Aqui, assim como em alguns dos filmes de Marcus Curvelo, temos o personagem Joder em suas aventuras subjetivas para dentro de si mesmo.
Temos uma imersão bem feita aqui, a cronologia do filme funciona bastante. Conseguimos nos adaptar à rotina conturbada de Joder. Vemos o revezamento constante de coadjuvantes, que de tempo em tempo vão agregando muito na psique do protagonista. Joder consegue refletir sua personalidade a partir de cada conversa com seus amigos, chefes, parceiros de trabalho e meros conhecidos. A melancolia acompanha sempre sua narrativa, dos diálogos até sua curvatura corporal, ótimos maneirismos na atuação de Curvelo. Pondo em questão os diálogos, eles conseguem funcionar de forma primorosa e entregam muito para o sumo da obra, muito disso é causado pelo estranhamento que as pessoas ao redor de Joder sentem pelo próprio. Independente de qual seja a posição de intimidade, todos olham para Joder como o homem perdido, abatido, segurando as rédeas invisíveis do auto sustento. Procurando meios aleatórios de tentar sobreviver ao meio capitalista.
E é sobre isso. Joder representa um grupo de indivíduos que estão à mercê da cadeia alimentar econômica do país e que tenta sair dela a partir da forma mais acessível, aparentemente, de empreendedorismo: a internet. E o filme ganha méritos quando apresenta (podendo ter apresentado mais) alguns nichos desse tipo de negócio, mostrando suas questões e problemáticas. A vasta selva, enormemente pluralizada, altamente codificada, de conteúdos massivamente jogados à nossa disposição. A tentativa de Joder revelar seus fracassos nos seus vídeos, isso junto ao seu estado constante de depreciação por não estar conseguindo os trabalhos que quer, evidentemente pode ser lido de forma contraditória, assim como é mostrado no filme, com direito a réplica e tréplica. A cada trabalho perdido, tentativas frustradas de bicos que dão errado sucessivamente, problemas no apartamento, falta de apoio emocional, sentimos o quanto o personagem está tentando achar um passo firme em um chão que só continua afundando em seus pés. Tudo fica mais literal quando Joder é engolido por um jogo de luzes e propagandas, a representação massiva do capitalismo, a Times Square.
Joder não é uma pessoa incapaz, ou com problemas fúteis, ele tem direito de sentir a frustração de desemprego que acomete sua área trabalhista. Todavia é notório que a grande parte minoritária da população não tem os privilégios que acometem o personagem. Mesmo assim, ao assistir Eu, Empresa, é difícil não trazer um pouco da própria experiência pessoal para a obra de Curvelo e Sampaio. Eu, infelizmente, trago a minha e do meu companheiro. É bastante desalentador, mas se não fosse, não teríamos filme.