As imagens de violência e protesto em They Don’t Care About Us (2020) e Love Is The Message, The Message Is Death de Arthur Jafa (2018)
Por Giovane Alcântara

As imagens falam e exercem um poder narrativo imenso. Em 1995, Michael Jackson lança a música ‘They Don’t Care About Us’ que faz parte do disco ‘HIStory’, onde aponta diversas injustiças sociais e as más transformações do mundo, linkando com a violência, má-gestão política, entre outros. Em 1996, Spike Lee dirige o clipe da música com cenas gravadas em Salvador e na comunidade de Santa Maria, no Rio de Janeiro. Mas parece que de lá até aqui nada ainda mudou.
O ano é 2020. As imagens explodem nas redes sociais. Muitas vezes movidas pelo desejo de justiça e/ou de reparação. Com as mortes de George Floyd, Breonna Taylor, Jacob Blake, nos Estados Unidos, os protestos pelo direito à vida entrou em debate. O movimento #BlackLivesMatter provocou levantes em todo mundo. Que nos proporcionou outras emblemáticas imagens, como a da estátua de um traficante de escravos sendo retirada do espaço público no Reino Unido.

Mas isso não é o suficiente. Kênia Freitas, no curso sobre Afrofuturismo e fabulações críticas, nos lançou a seguinte indagação: “O que a gente faz com as imagens de George Floyd?” e tal questionamento reverbera em mim até hoje. O que a gente faz com essas imagens? O que o cinema pode fazer com essas imagens? O que o audiovisual faz com essas imagens? As reverberações proporcionadas, também, pelo filme “Love Is The Message, The Message Is Death” do Arthur Jafa e pela nova montagem de They Don’t Care About Us me trouxeram até aqui.
Em Love Is The Message, The Message Is Death, Arthur Jafa remonta a identidade afro-americana escalonando imagens que, de algum modo, ajudam a pensar a trajetória negra estadunidense no esporte, na música, na política e que, aindassim, é presente nos tantos corpos negros que são anônimos e multiplos. O cineasta cruza essas imagens com as tantas imagens de violência que assolam a comunidade negra do país, sob a trilha sonora de Ultralight Beam do Kanye West. Na nova montagem de They Don’t Care About Us, Spike Lee nos apresenta um videoclipe que projeta as imagens dos protestos #BlackLivesMatter em todo mundo.
Há quem diga que Cinema negro deve refletir, sobretudo, as mazelas que assolam a comunidade e escancarar isso em tela. Não considerando a multiplicidade de pensamentos, de escolhas e de realidades. No fim, o mais importante é o modo como a narrativa é construída e o que ela vai nos contar a partir disso. O questionamento de Kênia Freitas me leva a pensar sobre os tantos programas policialescos que temos por aqui, que exploram diversas narrativas para a construção de um imaginário sobre corpos negros e violência; que não consideram as desigualdades e que ferem diversos direitos humanos e a ética do jornalismo brasileiro. Digo isso, pensando que essas imagens projetadas, muitas vezes no horário do almoço ou no fim da tarde em rede aberta de televisão, não possuem outra função além do ganho financeiro e da manutenção de um Estado racista, que lucra com a morte, com o aprisionamento, com o linchamento e com a criação dos “frankensteins” nacionais.

Love Is The Message, The Message is Death apela para uma narrativa que nos leva a questionar o sentido de ser celebrado nas artes, na política, no esporte, na dança e de que nada disso importa se, no fim, o que nos resta é a morte. Não há a paz, a serenidade e o amor que Kanye West evoca em Ultralight Beam. Não em sua totalidade. Apela para dizer que não adianta estar em evidência se, no fim, a evidência não nos salvará de nada. Nem mesmo daquela violência pós-morte: a reprodução vazia em massa das imagens que mostra tanto dos nossos tombando.
Pensar o que pode o cinema, a TV, a internet fazer com essas imagens é pensar em qual tipo de narrativa nós queremos defender. E não esvaziar isso de todos os sentidos. É entender para quê e para quem serve as a reprodução incessante de imagens como a de George Floyd e questionar como usaremos disso enquanto ferramenta de luta. Spike Lee, no relançamento de They Don’t Care About Us, também parece entender o sentido disso. Quando o diretor lança mão de incluir imagens de protestos, em meio as duas versões do clipe do Michael Jackson, parece querer nos dizer: nada mudou. Ou ainda mostrar que os Estados-nações continuam fazendo suas vítimas.
Enquanto Arthur Jafa tenta evocar diversos outros sentidos para a comunidade negra, que vão da beleza ao poder numa mistura de imagens de arquivos que rondam a internet, a TV e os canais de notícias; Spike Lee nos mostra que o levante é contínuo. E ambos fazem sentido dentro daquilo que tenta nos proporcionar. É o modo de nos dizer: somos diversos, singulares, e nossas diferenças ainda fortalecem a nossa arte.
O grito que precede They Don’t Care About Us ainda parece ecoar: “Eles não ligam pra gente!”, mas nossas vidas e memórias importam!
