A Vastidão da Noite: Um Achado na Vastidão dos Streamers.
Por Barbara Carmo.
Em uma sala antiga e completamente vazia, um aparelho de televisão é ligado; dele um narrador de voz imponente promete transportar seus telespectadores para “…um reino entre o clandestino e o esquecido. Uma corrente de ar capturada entre os canais. (…) Tudo ocorrendo no palco falso do mistério em uma frequência capturada entre a lógica e o mito.” Após esta atmosférica introdução, é nos revelado o episódio prestes a iniciar na série fictícia Teatro Paradoxo: Quando a telefonista Fay (Sierra McCormick) captura uma estranha interferência em suas ligações, ela sabe que o radialista Everett (Jake Horowitz) é a pessoa certa para ajudá-la. Os dois só não contavam com o que iriam descobrir pairando sobre sua cidade.
A Vastidão da Noite (The Vast Of Night) é o primeiro filme de Andrew Patterson — que também assina roteiro, edição e produção com diferentes pseudônimos — e o estreante não faz questão nenhuma de negar sua maior e mais clara referência, a aclamada série de televisão The Twilight Zone, cujo o primeiro episódio foi ao ar em 1952 e a última renovação foi feita em 2019, influenciando durante suas temporadas ao longo das décadas nomes como Stephen King, Steven Spielberg, M. Night Shyamalan, Jordan Peele — que tornou-se o narrador na última temporada — e, de forma mais óbvia e direta, Charlie Brooker e sua série Black Mirror. No entanto, há mais em A Vastidão da Noite do que seu charme e seu apelo aos saudosistas amantes da série clássica de ficção-científica. Apesar da forma quase exagerada com a qual o diretor insiste em nos lembrar que estamos assistindo a um episódio de televisão, seu roteiro com longos monólogos e atuações extremamente competentes dadas por um elenco reduzido são o que nos faz permanecer pelos 90 minutos do longa contendo o nosso fôlego.
A fotografia e especialmente o trabalho de câmera merece ser aplaudido por sua fluidez. Temos a sensação de conhecer toda a pequena cidade de Cayuga e quase poder contar seus habitantes devido a sensacional travelling shot que nos leva para passear pelas ruas vazias da cidade até a lotada quadra de basquete onde um jogo dos alunos reúne a maior parte da população. É impressionante como o mesmo cinegrafista consegue gravar igualmente bem cenas paradas, com diálogos e monólogos que se estendem sem que nenhum ator ou locação mude. A grande estrela do filme, porém, é indiscutivelmente o design de som. Antes de qualquer imagem, o som da televisão sendo ligada é nossa primeira conexão com o longa e quando as imagens aparecem, são ondas de amplitude, uma representação gráfica do som. E as coisas não param por aí. Nossos protagonistas são unidos pela compra de um gravador de voz portátil e saem entrevistando vários membros da charmosa cidadezinha, assim como um ao outro em um longo primeiro ato. Em seguida, somos levados ao trabalho de Fay, que é telefonista substituta. Ouvimos Everett em toda sua glória como radialista e então o plot do filme se desenrola, tendo a escuta como sentido principal de nossos personagens e, por consequência, nosso também. O som de A Vastidão da Noite não é simplesmente “bom” e nem poderia ser, ele é imprescindivelmente fantástico. É necessário que sejamos capazes de ouvir a fita rodando em um gravador ou o som de uma ligação sendo cortada, às vezes muito mais do que ver os personagens em tela. O som constrói ambientes no longa tanto ou mais quanto as imagens.
Nenhum apreço técnico seria possível sem uma boa história e, mesmo cheio de clichês, a história de A Vastidão da Noite é aquilo que precisa ser para sustentar o filme: Bem contada, bem atuada e com suficientes elementos novos para se destacar. Não à toa o filme foi espalhado quase que pelo boca-a-boca online e tornou-se um queridinho indie. O longa pode ser encontrado atualmente no catálogo da Amazon Prime.