A ferramenta capaz de operar o corte por justiça” em Tudo Que É Apertado Rasga de Fábio Rodrigues Filho

Viu&Review
4 min readAug 13, 2020

Por Giovane Alcântara

Frame do filme “Tudo Que É Apertado Rasga”

As discussões sobre o papel da atriz e do ator negro no cinema brasileiro estão sempre acesas, hora mais hora menos. Pensar o Cinema brasileiro é pensar em tudo que também já se perdeu, em memórias já não vistas, em períodos não tão distantes. Pensar a partir dessa lógica é entender que durante muito tempo a atriz e o ator negro esteve exercendo papéis específicos, caricatos e, na maior parte do tempo, pautado em vários estereótipos.

Quando me propus a escrever esse texto pensei em até que ponto as ausências atravessam as nossas vidas e de que modo essa lógica é subvertida também a partir daquilo que nos atravessa. Quando Jeferson De, em colaboração com outros realizadores/as negros/as, apresenta o Dogma Feijoada ao público do 11º Festival Internacional de Curtas de São Paulo, joga na mesa o que se defende enquanto construção fílmica e narrativa do povo preto.

O filme “Tudo Que É Apertado Rasga” (2019, 27') de Fábio Rodrigues Filho eleva essa discussão. Produzido com imagens de arquivos, o filme remonta a trajetória das atrizes e dos atores negros, muitas vezes guinados a papéis menores nas montagens brasileiras.

Em “Tudo Que É Apertado Rasga”, as ausências são o ponto-chave dessa construção. Ausências essas sentidas no papel das atrizes e dos atores que ali aparecem. Seja na falta de personagens que explorem o potencial artístico, seja no estereótipo — como já dito — , nos baixos salários que são ofertados a esses artistas ou em qualquer outra coisa que afeta diretamente ou indiretamente as produções e os artistas que em cena estão.

Grande Otelo no Programa Roda Vida, 1987. Frame retirado do filme.

É emblemático pensar que nada do que aparece no filme está tão distante de nós. A escolha por imagens de arquivos proporciona essa aproximação e, principalmente, a preservação da memória que já está aí. A medida que o filme passa e que somos apresentados aos discursos em tela entendemos o ato de rasgar, os tensionamentos provocados e a “ferramenta capaz de operar o corte por justiça”, como é definido na própria sinopse do filme.

O ato de fala e do gesto é muito importante em toda narrativa, é a partir disso que conseguimos forjar outras histórias. Isso significa dizer que o estudo de montagem do diretor — por isso o corte — leva em consideração as experiências que estão dadas e de como, novamente, isso atravessa o ator negro e a atriz negra no Cinema, com base nas inúmeras vezes em que esse mecanismo serviu como forma de invisibilização e de distanciamento, até mesmo no mercado publicitário.

E essa fala ecoa, a partir da repetição. Característica bastante presente no filme, que parece costurar o rasgo entre as falas de Zezé Mota e do Grande Otelo; característica bastante presente no filme por uma repetição outra: os entrevistadores quase sempre perguntam a mesma coisa.

As tantas violências que o mercado audiovisual parece marcar e operar é questionada: na epígrafe, nos dois atos que sucedem o filme, no poema que sai da voz de Zózimo Bulbul e se confunde com a própria narração de Fábio, na pergunta “O que eu vou ser quando crescer?” que sai da boca do Lázaro Ramos e é respondida mais a frente com uma própria atuação de Lázaro Ramos no filme “Madame Satã (2002, 1”45’)”, entretanto não há resposta, nem mesmo na intencionalidade não assumida do diretor.

Na verdade, “Tudo que é apertado rasga” parece nos convidar a refletir em como o audiovisual nos induz à uma não-presença do corpo negro em tela, pautados por um processo social que ainda é doloroso, e como novos recortes e re-enquadramentos podem servir para ser a redefinição das ausências já faladas, não determinando um fim ou um começo mas entendendo que o ponto de partida é, ou deveria ser, a experiência subjetiva do ator e da atriz negra.

Referências:

O Negro no Cinema Brasileiro de João Carlos Rodrigues;

Dogma Feijoada, O Cinema Negro Brasileiro de Jeferson De.

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